Freud em série

Freud foi presenteado com uma série austríaco-alemã, dirigida por Marvin Kren. Cheia de mistérios, onde os autores imaginam sua vida no começo de sua carreira, a descoberta de suas teorias e a preenchem com conspirações, crimes e romance. A história se passa em Viena, onde Freud reside num apartamento que antes abrigava um teatro que havia sido incendiado e, por isso, guarda em si, um espetro de morte.
Criada para ter apenas uma temporada, a série foi dividida em oito episódios: Histeria; Trauma; Sonâmbulos; Totem e Tabu; Desejo; Regressão; Catarse; Supressão. Em cada um de seus capítulos, vemos um Sigmund em início de carreira, se debatendo contra um corpo médico psiquiátrico com pensamentos fechados e cegos pro próprio poder e para suas próprias teorias. Por sinal, em todo e qualquer tempo, é assim que vejo a medicina, como um corpo único que rejeita e manda para o esquecimento, para o hospício ou para a periferia, todo aquele que ousar desafiar o conhecimento da época. Foi assim com Freud, com Ignaz Semmelweis (internado em manicômio por insistir na importância de se lavarem as mãos, para evitar sepsis), Georg Groddeck (criador da psicossomática), etc

A série mostra o médico lutando para conquistar dinheiro, aceitação e novas descobertas. Coloca de uma maneira interessante a técnica da hipnose, como o protagonista não tinha convicção de sua efetividade, de como lhe parecia um pouco teatral – que é por sinal o que escuta quando mostra a técnica para o corpo médico. E logo após a clareza de que a hipnose era fácil para algumas pessoas, como funcionava misteriosamente com outras e como não tinha utilidade para muitas.

Trabalhando num hospital psiquiátrico que era conduzido a mão de ferro pelo médico Meynart, professor de Psiquiatria, via como as técnicas usadas eram desumanas e pouco eficazes – como o são até hoje, em meu ponto de vista. Ainda não sabemos lidar bem com a loucura, talvez a Nise de Oliveira tenha sabido, mais intuitivamente, que por descobertas científicas. Freud acreditava que trabalhos alternativos como o de Charcot eram ou poderiam ser mais efetivos. Mas o alternativo na medicina padece mais que vinga. Na verdade, conceitos alternativos só vingam quando após anos de estudos se mostram cientificamente comprovados…

Na série, Sigmund, judeu, de família rígida, noivo de Martha Bernays, viciado em cocaína e com um amigo médico ótimo que lhe levava para se divertir, Freud se vê numa festa obscura, onde um casal de húngaros tinha como atração, uma moça vidente, que havia sido hipnotizada para ver o que precisava de uma senhora viúva e sua filha. Freud assiste a sessão espírita com olhos céticos – essa cena me lembra uma parte da história de Carl Jung, que tem seu trabalho bastante influenciado por uma prima que tinha uma grande abertura para o mundo dos espíritos. As sessões com a prima de Jung causaram tanto impacto nele, quanto causaram em Freud na minissérie.

O casal de húngaros tinha interesse em romper o Império Austro-Húngaro, para que Hungria se tornasse livre e independente mais uma vez. Eles, para mim são a maior atração da série. São eles que trazem a magia negra, a abertura do espírito, a pulsão de morte, a hipnose e, é claro, as mortes que eletrizam a série e desvirtuam a vida fictícia de Freud. São eles também que apresentam Sigmund a Salomé, mulher de poder sobrenatural e abertura com o divino que levam o protagonista na série e se questionar, pensar em métodos de liberação ou contenção de forças e visões. É também graças aos húngaros que o pai da Psicanálise conhece um inspetor de polícia e seu fiel escudeiro que me pareceram Dom Quixote e Sancho Pança traumatizados pela guerra. Com o inspetor da polícia, Freud aplica o que seria o começo da sua técnica e já obtém resultado satisfatório.

Numa das cenas mais interessantes da série, Freud se vê rodeado por pessoas. Primeiro, ele está entre seu amigo Breuer, seu pai, seu chefe da clínica Meynart. Neste círculo, Sigmund escuta seu super ego, por meio desses homens, então, estrangula seu pai, não sem antes demonstrar sua admiração por ele. De repente a cena muda e ele está nu, estrangulando e transando com sua mãe, que se torna sua noiva. Ele sai do susto para expressão amorosa. De repente, é mordido e nota que está copulando com Salomé, então, torna-se ardente. Outra cena interessante é a que ele é hipnotizado. Aí, ele recebe a instrução de se matar, mas seu Ego não permite que o faça. E na própria série pontuam, que ele tinha um ego muito forte para ceder.

Claro que a série é apenas inspirada em Freud, traz mais imaginação que fato, mas me pareceu intrigante ver Sigmund assim, um amante ardente, um pesquisador incessante, um viciado em drogas, um judeu tentando dar certo, um homem amoroso, um detetive, um psicanalista. Assim, ele fica menos Deus e mais real.

Então, se quiserem assistir a um suspense com pitadas de psicanálise, acho uma boa pedida. Fica a dica!

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