Dia de Finados

Com a chegada do dia de finados, animações como “Viva – A Vida é uma festa” (filme de animação, lançado em 2017, dirigido por Adrian Molina, Lee Unkrich), me inspiram a escrever sobre aquilo que o filme foca de forma tão poética: o legado que carregamos de nossos ancestrais e a necessidade de honrá-los. É sempre mais fácil culpar o outro, maldizer a vida por ter nascido assim ou assado, com familiares esquisitos, agressivos ou qualquer “nota”; do que encarar o fato de que nossa beleza, nossa construção como ser humano está justo na fusão de todo amor e toda sombra que vivenciamos, interpretamos e refletimos.
Nosso papel, como mostram tantas linhas terapêuticas hoje, é ser instrumento de cura para si e para toda a família. Se, por exemplo, carregamos a dor de termos sido manipulados na infância, temos alguns caminhos a seguir – isso também é parte da beleza da vida, a possibilidade de estar sempre escolhendo! Então, digamos que, por exemplo, nos tornamos controladores, como resposta à manipulação sofrida. Competimos conosco e com os outros, numa rotina em que o início da competição se dá ao raiar do dia e não necessariamente termina ao final do mesmo, porque por vezes, sequer conseguimos vislumbrar uma linha de chegada…
Cansados de termos que ser controladores ou competitivos – porque cansa mesmo! – voltamos nossos olhos rancorosos para os sujeitos que nos manipularam. O mais saudável, ou quem sabe até o mais sensato, seria deixar chegar a percepção de que aquele(a) que nos feriu estava ferido(a) e talvez não tenha tido a clareza de estar ferido(a). Por isso passou adiante a forma de lidar com a decepção de não sair inteiro para a vida (inconscientemente, é claro).
Entendo que antes de perdoar é preciso sentir ou perceber a dor e a raiva de estarmos feridos. Entendo ainda que o perdão não é obrigatório. Mas só a partir do momento em que compreendemos a dor do outro é que se torna possível abrir caminho para o perdão e ver o outro com olhos mais compreensivos. Muitas vezes, mesmo após uma vida inteira não conseguimos notar nossas feridas, não nos é possível entender a dimensão delas. Mas, se você teve a sorte e/ou a coragem de se ver frágil e ferido – porque a fragilidade e a dor da ferida nos remetem à idéia da morte… – e usou essa dor e essa ferida para avançar e crescer interna e externamente, então, você, meu (minha) querido(a), é o herói da sua própria história e também da história da sua família!
Porque não se conformou em repetir, você foi além, justo como nos filmes, onde o mocinho ou a mocinha é levado a descobertas incríveis e transformadoras. Na vida, como nos filmes, a aventura é sempre enriquecedora. E quando nos aventuramos, damos um passo adiante, mais largo e mais além do que aqueles dados por quem nos precedeu.
Aos nossos ancestrais devemos agradecer os risos, a cobertura (física e emocional – do jeito que puderam nos dar), a oportunidade de viver e de aprender com seus erros e acertos e também com nossos erros e acertos e ainda o empurrão que o outro nos dá em direção à clareza. Meus antepassados foram difíceis, tiveram, como todos, questões com acolhimento, segurança, amor, valor. Mas me deram essa colcha de retalhos que, através dos seus desenhos, me ofertaram um panorama sobre as questões que tiveram que enfrentar com ou sem sucesso. E mesmo que hoje eu ainda não enxergue todas e, como eles, tenha passado o que não enxergo adiante; agradeço, honro e louvo quem me ajudou a me construir e carrego todos na colcha de retalhos que eu mesma passei a bordar em meu coração.

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