Do momento em que nascemos e passamos a integrar a Natureza, na verdade, mesmo do momento em somos impedidos de nascer, já passamos a integrar a Natureza. Olhando ao redor ou para dentro, não é difícil perceber que somos e fazemos parte da Natureza. Essa afirmação não é completamente verdadeira, há pela vida, um número grande de pessoas, mais do que eu mesma gostaria de admitir, que não se vê, nem sequer se sente como Natureza, ou parte dela. Ignora os ciclos circadianos, lunares, das marés, hormonais etc.
Negamos o que não vemos e também o que não sentimos, porque, se não vemos, nem sentimos, não existem, mesmo que existam. Uma vez, assistindo a um documentário na televisão, soube que os primeiros índios que olharam para o mar e viram nele algo inédito, as caravelas, as ignoraram por completo, porque era algo, para eles, inimaginável. Só depois dos colonizadores – eles como eram homens foram vistos – descerem dos barcos e explicarem como haviam chegado, é que eles começaram a enxergar as caravelas. Talvez, só por isso, os colonizadores não foram atacados e nossa história seguiu o curso que hoje vemos.
Mas, voltando a nós e ao presente. Compreendo as pessoas que preferem a objetividade, ela é mais fácil de lidar. Ninguém nunca teve que se revelar aos fatos e os fatos só revelam saberes objetivos… Essa nada mais é que uma forma de defesa, a socialmente aceita. E por que nos defendemos? Porque temos medo. Mas medo de que? De nós mesmos, das nossas escolhas, dos nossos erros, da nossa vida, da nossa morte, de sermos, de não sermos, de nos revelarmos…de tanta coisa… que seria perda de tempo contar.
Mas a Natureza não se esconde, não omite, não mente, não liga pro que lhe pareça certo ou errado. Ela é. E seria mais simples, se unicamente fôssemos, mas somos seres imensamente complexos, então, somos e não somos, às vezes mais, noutras menos…
Nascemos. Somos metade fruto de um óvulo (que carrega toda a história global, genética, étnica, do ambiente dos nossos ancestrais do lado de nossa mãe) e de um espermatozóide (que carrega o mesmo só que do lado paterno). Essa fusão é alterada, para que um ser único surja. Você. E esse você, no ventre, vai sofrer a modelagem do momento da sua concepção ao parto. Seu corpo vai sendo modelado pela forma como sua mãe concebe a gravidez: foi desejada, muito, pouco, nada, turbulenta, estressante, os problemas na vida de sua mãe eram imensos e pareciam instransponíveis, foi um mar de rosas, cheio de amor, houve abundância, fome, a relação com o pai era ótima etc. E aí, veio você.
Ao nascer, como foi a recepção? Médica? Plásticos vindo de tubos, mãos de luva, mãos de sua mãe? De outro alguém? E para mamar? Houve olhos que te olhavam vivos, interessados, seios fartos, abundantes, seio secos de leite, leite com gostos estranhos (como o do cigarro no ventre), mamadeira, calor, colo, aconchego? Sua mãe esteve presente? Alguém assumiu o lugar dela? Ela estava, mas não lhe via, você era um estorvo, um boneco, um bicho que ela não entendia e que não párava de chorar, que só chorava para lhe encher o saco.
Então, você pára de mamar. Porque quis, porque o gosto não era interessante, porque sua mãe quis, porque não pode seguir lhe dando leite, porque não teve leite suficiente, porque secou. Quem lhe deu de comer, então, lhe encheu de comida? Deixou que experimentasse o cheiro, a forma, o gosto, a textura, lhe empurrou tudo de vez, nada de testar, come logo, que tenho pressa. Tinha olhos olhando você, sorrindo com suas tentativas de encontrar a boca? Olhos raivosos, tristes, ausentes, presentes, compassivos.
E chega o momento de sentar sozinho. Houve aplauso, estímulo, indiferença? E caminhar? Como foram seus primeiros passos? Quem estava ao seu lado e de quem você não queria se afastar? Quem era seu porto seguro? Aquele ou aquela de quem se permite se afastar só até um certo limite. E junto com o caminhar, ocorreu a despedida das fraldas. Você gostava de seu côco, sentia seu cheiro? Conseguiu rapidamente tirar as fraldas? Ou não? Seu côco servia pra receber atenção, mesmo que fosse via rechaço? Ou você não precisava dessa forma de atenção, brincar era um chamado maior! E o xixi? Quando conseguiu não mais deixá-lo escapar? Quando já estava craque, ainda assim, de vez em quando, o danado insistia em lhe correr pelas pernas? E era bom? Ruim? Embaraçoso? E a recepção a esta chegada inoportuna? Castigo? Palmada? Apanhou de chinelo? Sorriso? Reprovação?
Você está agora pronto pra descobrir suas genitais. Quem forma sua família? O seu núcleo familiar direto? Você pôde perceber que sua mãe e você eram diferentes, que é ok ser diferente, já que seu pai e sua mãe são completamente diferentes e se amam? Papai não está em casa, nunca esteve, vem aos sábados, tenho outro pai, vivo com meus tios, avós, orfanato. E aí, onde viveu, como foi a reação à descoberta da sua genitália?
E você adolesceu. E começa a perceber os lugares que cada um na família ocupa, os incluídos, o salvador, os excluídos, a vítima, o algoz etc. Saiu de casa, ficou e não notou nada, não é seguro notar, seguiu as regras, as quebrou todas, ficou dependente de alguma droga ou de alguém, não sabia se virar, sabia muito bem se virar sozinha(o)…
A vida é muito complexa e nossos pais não a tornam mais simples. Não foi fácil para eles, herdar a cor, a forma e a posição financeira e na família (vítima, algoz, salvador etc). E nossos pais repetem o que aprenderam conosco, ou vão na contramão, achando que estão fazendo o seu melhor. Nem sempre é. O melhor mesmo é dar aquilo que precisamos, é estar atento ao presente que lhe foi dado. Mas eles estão ou olhando pro passado ou para o futuro..
É aí, nesse ponto em que está agora, que o Icorpo se faz necessário. Para que você e suas relações possam evoluir, para que você possa olhar pra você e para seus pais e suas famílias e perdoá-los. Tomar o melhor deles para você e seguir pra sua vida, com outra forma de corpo, de pensar, de agir, de respirar. Para que suas opções possam ser mais que repetir, negar ou ir na contramão. Está esperando o que? A vida lhe chama e a Natureza, lhe quer assim, verdadeiro e inteiro!
