Com a aproximação e planejamento da vivência: “Corpo Ancestral e suas Fundações”, me parece impossível não pensar em minha família, nas minhas próprias fundações. E me parece curioso que, quando pense nela, o que me venha à memória sejam as mulheres de minha família. Meu pai teve, em minha vida, um papel grande e determinante, mas as mulheres… essas sempre me marcaram, por vezes me incomodaram, mas sempre, o que nutri, foi respeito e admiração.
Elas são fortes, determinadas, não perdem de vista seus objetivos. São mandonas e, se um dia foram submissas, é porque estavam esperando o momento em que se sentissem seguras o suficiente para não mais terem que se submeter.
Conservadoras, vaidosas e distribuindo energia, estão sempre prontas para o novo, para a mudança com, o que parece, a mesma disposição que tinham, aos 20 e poucos ou quem sabe até tenham mais disposição que antes. Passaram o começo das suas vidas à sombra de seus maridos, se deixando sustentar por eles, enquanto se preparavam indo para a universidade, fazendo cursos para irem na direção do que queriam. Sempre se recusarem a fazer as atividades domésticas, não porquê não soubessem, mas se recusavam a se submeter. Se os maridos quisessem alguém que fizesse a comida, limpasse a casa etc, eles que pagassem por isso…
Quando se sentiram prontas, partiram para vida. Conseguiram trabalho, passaram em concursos, montaram suas próprias empresas. Se bastaram… Na casa dos 80, seguem trabalhando, enquanto a maioria já se aposentou e são referência no que fazem. Atléticas, ágeis, com um pensamento veloz, elas conseguem resolver os problemas em casa, no trabalho e na vida e ainda tem tempo para conhecer um novo drinque, num novo restaurante, ou ir à academia ao meio dia. Apaixonadas por viagens, seguem o lema, “navegar enquanto há tempo” e se aventuram, sem falar nenhuma língua, a não ser o português.
Eu, adolescente, observava com muita curiosidade à dinâmica em suas casas. Era engraçado ver a adoração e a necessidade que os maridos sentiam (e sentem) delas. Um misto de admiração, respeito e submissão. Muita carga para mim… talvez por isso sempre tenha me sentido fraca diante delas…
Ser criada no entorno delas foi, para mim, uma faca de dois gumes. Porque, na minha cabeça juvenil, se não era forte como elas, só podia pertencer ao grupo masculino… Por isso, neguei por um longo tempo meu feminino.. mas podia sentir esse desejo de viver e ser dentro de mim, a potência de vida delas, sua força… eu sabia que as carregava dentro de mim, como um legado..
Hoje, com clareza, me sinto abençoada por tê-las como referência. Por terem nos permitido – a todas mulheres da família – a sermos diferentes delas, insistiam nisso, que fôssemos quem fôssemos, mas que não nos submetêssemos. E faço aqui, nesse texto, minha reverência pública a elas. Uma homenagem singela, mas de coração. Afinal, como se diz no candomblé, elas são as santas que carregam os ventos, as águas, a terra que me modelaram.