Quando tinha sete anos, na minha escola, as crianças saíam de um espaço pequeno, habitado apenas por pequenos seres, para um espaço bem mais amplo, habitado por pessoas enormes, de diversas idades, que gargalhavam, gritavam, brincavam de bola, tudo em espaços que me pareciam ainda maiores que as pessoas. Aquilo me deu tanto medo, que fugia nos intervalos do recreio para minha antiga sala ou simplesmente me escondia embaixo da escada, para me sentir segura. Levei um tempo largo para me habituar com a idéia de que agora era grande o suficiente para conviver e me inspirar nas pessoas das quais, naquele momento, eu tinha medo.
Aos treze anos, comecei a não mais me reconhecer ou reconhecer meu corpo. Parecia estar sendo tomada por uma avalanche. Sentia tudo ao mesmo tempo, minha cabeça era inundada por pensamentos diversos, desconexos e meu corpo parecia seguir a tendência. Do dia pra noite, me brotam seios, desejos e entre as minhas pernas, descia algo bem quente, sangue. Sabia o que era menstruação, mas ninguém me havia dito que aquele seria um momento de isolamento e reconexão, onde eu não compreenderia sequer metade das inúmeras transformações.
Aos dezessete, precisei escolher a carreira e a universidade onde ingressar. A Federal era tão grande, tão respeitada, que me parecia uma mãe obesa prestes a me esmagar. A carreira, então, nem se fala, sofria e chorava aos borbotões quando ouvia meus amigos e colegas dizerem em alto e bom som suas escolhas, cheios de certezas. Tal foi meu pânico, que duas coisas me passaram. A coisa que mais gostava de fazer na época, era escrever. Pois tive um bloqueio, juntar duas palavras numa folha em branco era um suplício. Meu pai, preocupado, me inscreveu num curso de redação, que não me ajudou muito. Não lembro como consegui ser aprovada no meu terceiro ano, todas as minhas memórias eram de pura transpiração… Mas fui..
Aos vinte e um me vi terminando a faculdade, fruto da escolha materna e no último ano, quando me dei conta que teria que trabalhar seriamente – até ali estagiava por seis meses nos lugares e tal era minha falta de entrega que acabava demitida, coisa que não me afetava, apenas a falta da entrada monetária… o que me levava ao próximo e assim por diante. Mas quando percebi que naquele momento era sério, eu iria me formar. O que eu iria fazer? Não sabia! O que fiz foi perder em uma disciplina para ter tempo de pensar numa saída.
E assim foi com muitos outros eventos ao longo da vida. Tantas pequenas mortes, tantas cruzes no caminho, tantas mudanças, algumas almejadas, outras realizadas na marra. Compreendi que viver é um caminho de modificações, onde vamos deixando partes de nós para trás, como regularmente faz o corpo, deixando pele, cabelos, unhas… E a cada grande guinada que damos, a vida torna impossível nos mantermos como antes e parece que assim vamos vivendo muitas vidas numa só.
E os nossos erros, aqueles que nos dóem a alma, são muitas vezes, os responsáveis por essas pequenas mortes. O chacoalho que o erro lhe dá, o tanto que ele te leva a se rever. Mas é a vida que logo, logo, lhe impulsiona a seguir adiante, para uma nova jornada confiante e corajosa.
Viva nossas cruzes, nossos medos, nossas mudanças! Viva a vida!