As incríveis descobertas de Freud

Para Freud, o mundo interno se abria curiosa e lentamente a sua frente, numa sucessão de sinais e sintomas de que internamente, algo chacoalhava o equilíbrio humano. Nosso sistema, ele dizia, busca o equilíbrio, não se exceder em gastos energéticos desnecessários, mas cada vez que era captada uma ameaça a todo o conteúdo recalcado – e veja você, nosso conteúdo recalcado passa pelo mesmo processo, que uma bactéria ou vírus agressor externo. Nossa linha de defesa, o encapsula e o prende às paredes das mucosas. O processo é o mesmo para vivências traumáticas e Freud vai elucidando brilhantemente nossas íntimas estratégias de defesa.
O primeiro grupo estudado por Sigmund era composto por mulheres que apresentavam problemas neurastênicos, epiléticos, tiques etc. A esse grupo ele nomeia de histéricas, referindo-se ao útero – e diagnosticando mais tarde a condição do aparecimento da histeria como uma certa passividade sexual, onde a mulher (e mais tarde ele admite que também o homem), sofreu na tenra infância um trauma ou assédio para o qual não tinha maturidade para lidar. O psicanalista afirma que tal conteúdo, fica armazenado no inconsciente, recalcado (para usar sua palavra), para sair de tempos em tempos quando a imunidade do ser humano baixasse.
Freud afirma categoricamente pela primeira vez, que a sexualidade era uma questão para a humanidade e que esta gerava consequências futuras para todos. As questões com a sexualidade se iniciariam entre os dois e quatro anos de idade, momento em que o indivíduo não teria condições psicológicas e objetivas de compreender insinuações ou ações sexualmente agressivas.
O segundo grupo, os neuróticos, obsessivos ou aqueles que sofriam de angústia e fóbicos também traziam uma má relação com a sexualidade, mas já não havia aí traços passivos, mas uma agressividade não controlada, uma reprodução de uma agressividade sexual vivida prazerosamente ou nem tanto, sendo inibida ou inconcluída, uma tensão sexual acumulada ou sua falta, que gera culpa e, portanto, é negada. Em todo caso, a grande descoberta freudiana é como a sexualidade na tenra infância, nesse momento em que a criança não é capaz de reagir adequadamente, gera uma trauma que ela não é capaz de lidar e por isso, fica recalcado mais como uma sensação física, que irá se manifestar mais tarde, quando as condições estiverem propícias.
O médico traz então o escopo da sua teoria. Há em nós essa energia – a libido – que circula por todo nosso corpo, que pára, se bloqueia em alguma parte e se repete – como nós nos repetimos em ações, gestos e palavras. Quando essa energia se bloqueia, o que brota é nosso lado instintivo, vem a princípio em sonhos, memórias e, se não temos condições de lidar com isso, vem sob a forma de sintomas somáticos. Da lama do nosso ser, do nosso inconsciente, emerge o sexo e a agressividade, parceiros, grandes mobilizadores de energia, que quando, bloqueados, trazem à tona, tudo o que pensávamos haver escondido até de nós mesmos. E aterrorizados, angustiados, paralisados, nos vemos do outro lado, bichos medonhos saindo dos esgotos de nós mesmos. Do alto do ego, um esforço enorme para abafar o monstro fétido e asqueroso.
Mas há um “local” onde podemos acessar esses conteúdos reprimidos. Um lugar onde há uma permissão para que os mesmo emirjam, de uma maneira codificada, é claro… À noite, na penumbra, nossas defesas cedem, baixam um pouco a guarda e assim consentem a vinda de mensagens. Nossos sonhos são, portanto, mensageiros de nós, de como estamos, de como passamos o dia, mas, especialmente, de nossos conteúdos instintivos reprimidos. Condensados, deslocados, eles, se bem trabalhados, nos ajudam a esclarecer as razões que nos levaram a escolher sermos como somos. E se conhecer faz nossos “bichos” internos diminuir de tamanho.
Precisamos dos nossos monstros, das nossas defesas, porque somos eles e porque neles encontramos o amor negado, a nutrição insuficiente. Integrando-os, aceitando-os em nós, deixaremos de temê-los. Ou assim, Reich me fez acreditar…
Mas até a chegada de Reich – que trazia ideias mal vistas por Sigmund, por sinal – há muito caminho pela frente! Freud evoluiu sua Psicanálise de modo brilhante, trazendo conceitos inéditos – hoje corriqueiros, sobre inconsciente, o instinto, a libido, memórias infantis, ego, super ego, recalque, pulsões e, em especial, os papéis de cada um e sua forma de atuar em nossas vidas, que até hoje segue em voga e segue sendo misteriosa para nós.
De qualquer sorte, compreendo que é necessário se rever, analisar-se, tanto a auto-análise, quanto o processo de análise em si, nos levam a descoberta dos nossos processos íntimos. E nada mais íntimo que nosso próprio inconsciente. Graças a Freud a busca de si, antes de uma patologia se instalar foi instaurada. A atenção aos atos falhos, aos sonhos, as transferências viraram parte do cotidiano de muito mais gente que o pai da Psicanálise jamais sonhou. “Mergulhe comigo nos menores detalhes de minha vida, pois esse tipo de transferência é obrigatoriamente exigido por nosso interesse no sentido oculto do sonho”. Essa frase de Freud resume para mim o convite feito pela Psicanálise, a profundidade a que ela chega e a poesia de sermos o que somos.

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